Durante muito tempo, justificou-se a escravidão do negro africano no Brasil pela falta de adaptação do índio nativo ao regime de trabalho compulsório, o que dava a entender que o negro se adaptava mais facilmente à escravidão ou, ao menos, não apresentava tanta resistência, sendo, portanto, mais servil e obediente.
Essa interpretação tradicional pode ser questionada de diversas formas. Em primeiro lugar, foi comum o recurso à escravidão do índio nas regiões em que o acesso ao tráfico africano era difícil ou em que não se conseguia pagar o alto preço do escravo negro.
O caso de São Paulo é um exemplo clássico. Desde o início da colonização, os colonos que habitavam esta vila pobre recorreram à escravidão do índio sem considerar muito a suposta dificuldade do nativo de se adaptar às condições de trabalho desumanas do sistema. O recurso em grande escala ao trabalho do negro africano iniciou-se só na segunda metade do século 19, com a cafeicultura.
A opção pela escravidão do negro decorreu, na verdade, da natureza do sistema que ordenava as relações entre a metrópole e as colônias de exploração, denominado sistema colonial, o qual era parte de um receituário econômico que, ao lado do protecionismo, dos monopólios e das medidas de apoio às manufaturas, compunha o mercantilismo.
No contexto dessa estratégia, cabia à colônia complementar a economia metropolitana suprindo, de um lado, as necessidades de consumo e, de outro, fornecendo produtos que pudessem ser exportados com vista à obtenção de uma balança comercial favorável. Dessa forma, a metrópole acumularia ouro e prata, metais considerados pelos pensadores mercantilistas expressão da riqueza e do poder dos Estados durante a Idade Moderna.
A captura do negro na África e a sua venda para as colônias na América eram um instrumento de poder sobre a colônia (pois controlava o fluxo da mão-de-obra, vital para a produção colonial) e, ao mesmo tempo, o negócio mais lucrativo entre todos os que envolviam o comércio colonial.
O tráfico atendia, portanto, às exigências do sistema colonial e do mercantilismo, pois gerava uma via de comércio que proporcionava acumulação de capitais na metrópole. Seu papel decisivo levou alguns historiadores a afirmar que não foi a escravidão que gerou o tráfico, mas o tráfico que gerou a escravidão.
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