segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Macunaíma

O batizado de Macunaíma, Tarsila do Amaral.
O batizado de Macunaíma, Tarsila do Amaral.


Macunaíma e a renovação da linguagem literária. Publicado em 1928, numa tiragem de apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.
Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira direta das Memórias de um Sargento de Milícias (1852) de Manuel Antônio de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia indígena e visões folclóricas da Amazônia e do resto do país, fundando uma nova linguagem literária, saborosamente brasileira.

Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada até então pelo reacionarismo e o atraso cultural generalizado.
Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por Oswald de Andrade, que buscava uma relação de igualdade real da cultura brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um antropófago, comer o que mereça ser comido.
O tom bem humorado e a inventividade narrativa e lingüística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira

BIOGRAFIA

Vida de Mário de Andrade
Universidade do Distrito Federal. Não se adapta à mudança, vive deprimido e, “numa noite de porre imenso” bate com o punho na mesa do
bar e fala para si mesmo: “Vou-me embora para São Paulo, morarna minha casa”.Volta para São Paulo em 1940, trabalha no Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que ajudara a criar em 36, e viaja por todo o Estado de São Paulo, fazendo pesquisas.
Em 1942, publica O Movimento Modernista, famosa conferência, em que faz o balanço e a crítica de sua geração, “assinalando os erros do Modernismo, principalmente o que considera como “abstencionismo” diante dos graves problemas sociais do seu tempo”.

Sua saúde, já frágil, piora a partir dessa época. Em 43, inicia a publicação das suas Obras Completas, planejada para sair em dezoito volumes.
Em 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos de idade, Mário de Andrade sofre um ataque cardíaco fulminante e morre, deixando inacabado o livro Contos Novos (1946) em que se destacam narrativas de inspiração freudiana, como “Vestida de Preto” e “Frederico Paciência”, e contos de preocupação social, como “O Poço” e “Primeiro de Maio”.
Como crítico literário seu legado é imenso. Em A escrava que não é Isaura (1925), por exemplo, reúne ensaios provocativos contra o passadismo. Já nos Aspectos da Literatura Brasileira (1943), aborda, de maneira bem menos passional, os mais importantes escritores da literatura brasileira.
Com sua morte precoce o Brasil ficou órfão de um dos seus mais fecundos, múltiplos e íntegros intelectuais que, certa feita, definiu-se como “trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”. Números muito modestos, levando-se em conta sua importância para a cultura brasileira do século XX.

ESTILO

Mário de Andrade e o Modernismo
Foram a Semana de 22 e seus desdobramentos que projetaram Mário de Andrade como figura decisiva do movimento modernista. No processo de implantação da nova mentalidade cultural, Mário destacou-se como teorizador e ativista cultural. Com a determinação própria dos líderes que pretendem injetar uma nova consciência, multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural que troca cartas com artistas novos consagrados, além de ter ocupado vários cargos na burocracia estatal, relacionados com o desenvolvimento da cultura em suas várias
manifestações.
Era um sujeito muito sério, católico fervoroso, dotado de uma capacidade extraordinária de estudo e ação. Com carisma e afeto, conseguiu colocar a renovação modernista no trilho de um presente e de um futuro culturais marcados por um nacionalismo arejado e lúcido.

ESTILO LITERÁRIO
Mário de Andrade nos conta que escreveu Macunaíma em seis dias, deitado, bem à maneira de seu herói, em uma rede na “Chácara de Sapucaia”, em Araraquara, SP. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever (…). Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro.” A obra, composta em apenas seis dias, é fruto de anos de pesquisa das lendas e mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular e oral de várias regiões do Brasil. Trata-se, por isso mesmo, de uma rapsódia. Assim os gregos designavam obras como a Ilíada ou a Odisséia de Homero, que reúnem séculos de narrativas poéticas orais, resumindo as tradições folclóricas de todo um povo. Para o musicólogo Mário de Andrade, o termo certamente remete às fantasias instrumentais que utilizam temas e processos de composição improvisada, tirados de cantos tradicionais ou populares, como as rapsódias húngaras de Liszt.
É importante notar que, além de relatar inúmeros mitos recolhidos e diversas fontes populares, Mário de Andrade também inventa, de maneira irônica, vários mitos da modernidade. Apresenta, entre outros, os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há, em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa, muita invenção.

CONTEXTO HISTÓRICO

O Brasil na década de 20
A sociedade brasileira, no tempo em que surgiu Macunaíma, parecia bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos durante 4 séculos. Havia muitas fábricas (principalmente em São Paulo), grandes aglomerados urbanos, com populações de quase 1 milhão de habitantes. O
comércio e a indústria prosperavam rapidamente, graças ao mercado consumidor formado pelos moradores das cidades e pelos colonos de
origem estrangeira. As mulheres fumavam, iam sozinhas ao cinema,exibiam as pernas.
Algo impressionava bastante os brasileiros daquele tempo: a velocidade dos meios de comunicação e transporte! Eram carros, bondes, trens, telégrafos, rádios, telefone… Empresas, bancos, bolsas de valores…
Desde 1922, o país parecia estar em ebulição: além da Semana de Arte Moderna, foi criado o Partido Comunista e iniciado o movimento tenentista, que, durante toda a década de 20, desafiou o governo federal.

O clímax deste movimento foi a Coluna Prestes que percorreu 33 mil quilômetros do interior do Brasil, travando mais de 100 combates, em dois anos e meio (1924-1927). Arthur Bernardes e Washington Luís usaram todos os meios para combatê-la, lançando até o cangaceiro Lampião no seu encalço. A Coluna, porém, não teve força para derrubar o governo central, nem conseguiu rebelar o povo contra o regime. Esgotada, embora invicta, internou-se na Bolívia. No entanto, a imagem de Luís Carlos Prestes, com seus prodígios de técnica militar e de bravura pessoal, constituiu um mito que exerceu sobre os intelectuais de esquerda (entre os quais se incluíam Mário de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade) uma grande fascinação. O tenentismo (com seus levantes ao longo da década) aliado à crise desencadeada pelo estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929, são fatos que se somam para derrubar a República Velha na triunfante Revolução de outubro de 1930.
(Cap. XI – A Velha Ceiuci).

TEXTO

A síntese do romance – rapsódia
Capítulo I - Macunaíma
Macunaíma, “herói de nossa gente” nasceu à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica. Descendia da tribo dos Tapanhumas e, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso”. Ainda menino, busca prazeres amorosos com Sofará, mulher de seu irmão Jiguê, que só lhe havia dado pra comer as tripas de uma anta, caçada por Macunaíma numa armadilha esperta. Nas várias transas (“brincadeiras”) com Sofará, Macunaíma transforma-se num príncipe lindo, iniciando um processo constante de metamorfoses que irão ocorrer ao longo da narrativa: índio negro, vira branco, inseto, peixe e até mesmo um pato, dependendo das circunstâncias.
Capítulo II - Maioridade
De tanto aprontar, foi abandonado pela mãe no meio do mato. Tremelicando, com as perninhas em arco, Macunaíma botou o pé na estrada até que topou com o Curupira e perguntou-lhe como faria para voltar pra casa. Maliciosamente, o Curupira ensina-lhe um caminho errado que Macunaíma, por preguiça, não seguiu. Escapando do monstro, o herói topou com uma voz que cantava uma toada lenta: era a cotia, que depois de ouvir o piá contar como enganara o Curupira, jogou-lhe em cima calda envenenada de mandioca. Isto fez Macunaíma crescer, atingindo o “tamanho dum homem taludo”.

Capítulo III – Ci, Mãe do Mato
Encontra Ci, a Mãe do Mato e inventa com ela lindas e novas maneiras de gozos de amor. O resultado desse idílio é o nascimento de um curumi, que morreu prematuramente depois de mamar no único peito de Ci, envenenado pela Cobra Preta. Enterrado o filho, Ci também resolveu deixar este mundo. Deu ao herói sua muiraquitã famosa e subiu pro céu por um cipó, transformando-se numa estrela.

Capitulo IV – Boiúna Luna
Tomado de tristeza, Macunaíma despediu-se das Icamiabas e partiu rumo às matas misteriosas. No caminho, encontra Capei, monstro fantástico que abre a goela e solta uma nuvem de marimbondos. Nas lutas contra o monstro, Macunaíma perde seu talismã e fica sabendo, através de um uirapuru, que a tartaruga que engolira sua pedra tinha sido apanhada por um mariscador. Este vendera a muiraquitã a um rico fazendeiro chamado Venceslau Pietro Pietra, proprietário de uma mansão na rua Maranhão, em São Paulo. Macunaíma resolve, então, vir para a capital paulista recuperar sua muiraquitã.

Capítulo V - Piaimã
O herói junta seus irmãos e desce o Araguaia, com sua esquadra de igarités cheias de cacau. Em São Paulo, fica sabendo que Venceslau Pietro Pietra
era o gigante Piaimã, comedor de gente, companheiro de uma caapora velha chamada Ceiuci, também antropófaga e muito gulosa. Esse capítulo apresenta uma das passagens mais saborosas do romance: a chegada de Macunaíma e seus irmãos à cidade de São Paulo. Nesse momento, Mário de Andrade inverte os relatos quinhentistas da Literatura Informativa. Aqui é o índio que se depara com a dita “civilização” e procura assimilá-la, digerindo-a com suas próprias enzimas culturais

Capítulo VI – A francesa e o gigante
Depois de uma tentativa de aproximação frustrada, Macunaíma resolve se vestir de francesa para conquistar Venceslau Pietro Pietra e reconquistar sua muiraquitã. O regatão não emprestou a pedra nem quis vendê-la. Mas deixou claro que poderia dá-la se a francesa resolvesse “brincar” com ele… Muito inquieto, Macunaíma foge, percorrendo, em louca correria, grande parte do território brasileiro

Capítulo VII - Macumba
Como não tivesse força suficiente pra matar o gigante, Macunaíma vem para o Rio de Janeiro procurar o terreiro de macumba da tia Ciata. Pediu à macumbeira vários castigos pro gigante Piaimã que, além de receber a chifrada de um touro selvagem, é ferroado por quarenta mil formigas-de-fogo.

Capítulo VIII – Vei, a Sol
É também no Rio de Janeiro que Macunaíma reencontra a Vei, a deusa-sol que pretendia casar uma de suas três filhas com o herói. Embora tivesse prometido, Macunaíma não cumpriu a palavra empenhada: logo que anoiteceu, convidou uma portuguesa e brincou com ela na jangada. Depois foram descansar num banco da avenida Beira-mar, no Flamengo, quando surgiu Mianiquê-Teibê, monstro de garras enormes com olhos no lugar dos peitos e duas bocarras nos pés, de dentes aguçados. Macunaíma saiu correndo pela praia; o monstro comeu a portuga e desapareceu.

Capítulo IX – Carta pras Icamiabas
O herói retorna a São Paulo e, saudoso, resolve escrever uma “carta pras icamiabas”, relatando como era sua vida em São Paulo. Faz, num satírico estilo beletrista, uma descrição da agitada vida paulistana, com seus arranha-céus, ruas “habilmente estreitas” cheias de gente, cinemas, casas de moda, ônibus, estátuas e jardim. Nesta pernóstica missiva, o corrupto Imperador faz questão de detalhar para as amazonas a prática constante de amores pecaminosos, tanto que ele até pensa em tirar proveito da exploração do lenocínio. Critica o capitalismo selvagem dos paulistas locomotivas e dos italianos arrivistas, destacando, horrorizado, ao final, uma curiosidade original deste povo: “falam numa língua e escrevem noutra”. Depois de abençoar as suas súditas, termina a carta, com a maior desfaçatez, pedindo mais uma “gaita” pras suas fiéis icamiabas

Capítulo X – Pauí-pódole
A surra que Venceslau Pietro Pietra recebeu de Exu foi tão violenta que ele ficou meses numa rede, travado pelos suplícios a que foi submetido. Sem poder readquirir a muiraquitã, Macunaíma ocupou-se então do complicado estudo das duas línguas da terra, “o brasileiro falado e o português escrito”. Interrompe um mulato pedante que fazia um verborrágico discurso sobre o Cruzeiro do Sul, falando que aquelas quatro estrelas que brilham no vasto campo do céu são, na verdade, o Pai do Mutum, figura zoocosmológica que teve seu corpo de ave metamorfoseado numa constelação. Capítulo

XI – A velha Ceiuci
Depois de ter passado a noite brincando com a patroa da pensão, Macunaíma falou pros seus irmãos Maanape e Jiguê que tinha achado “rasto fresco de tapir”, em pleno asfalto paulistano, junto à Bolsa de Mercadorias. Induziu seus irmãos a caçarem o animal e estes quase acabam sendo linchados pela multidão que se aglomerou pra assistir à caçada. Um estudante subiu na capota de um automóvel e discursou contra Maanape e Jiguê. Foi interrompido por Macunaíma que, tomado por um efêmero acesso de fraternidade, resolveu defender os irmãos entrando no meio da multidão e distribuindo rasteiras e cabeçadas até ser preso por um “grilo”, soldado da antiga guarda-civil de São Paulo.

No meio da confusão, o herói conseguiu fugir e foi ver como passava o gigante Venceslau Pietro Pietra, ainda “convalescendo da sova apanhada na macumba”. Faz uma aposta com o curumi Chuvisco pra ver quem conseguia assustar o gigante e sua família. Perde a aposta e resolve fazer uma pescaria. Como não tivesse anzol, o herói se transforma numa “piranha feroz” pra cortar a linha de um inglês que pescava a seu lado. Acontece que a velha feiticeira Ceiuci, mulher do gigante, também costumava pescar no igarapé Tietê e prende o herói. Ao ser pescado pela tarrafa da feiticeira, Macunaíma vira um pato que devia ser logo comido. Além de brincar com a filha mais moça de Ceiuci, ludibria-a e foge, montado “num cavalo castanho-pedrez que pra carreira Deus o fez”. É uma fuga espetacularmente surrealista: num momento está em Manaus e noutro em Mendoza, na Argentina.

Fonte: https://brasilescola.uol.com.br/literatura/macunaima.htm

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